"Oferecemos-te esta Bola de Energia..."

"Oferecemos-te esta Bola de Energia..."

   "Toma, oferecemos-te esta bola de energia. És responsável por esta bola de energia. O quer que aconteça a esta bola de energia é da tua responsabilidade."

   "O que é?" perguntei, semicerrando os olhos, visto ser uma bola de energia, daquelas que ofuscam.

   "É uma bola de energia. Oferecemos-te esta bola de energia. És responsável por esta bola de energia. O quer que aconteça a esta bola de energia é da tua responsabilidade." responderam, em uníssono.

   "Sim, está bem, compreendo que seja uma bola de energia...talvez a culpa seja minha, não formulei a pergunta correctamente. O que eu queria saber era...bem, o que é que faz, ou o que é que permite fazer, e porque é que é tão merecedora de toda esta responsabilidade?" perguntei eu, em retorque, já um pouco aborrecido, não por me estarem a impingir uma bola de energia, mas sim por sentir na língua uma falta de eloquência tal que me impedira de questionar incisivamente, de maneira a alcançar a informação que queria obter, sem perda de eficiência pelo caminho. Aliás, senti-me grato na altura por me avaliarem digno de algo que aparentava importante. De qualquer das maneiras, esta minha nova reformulação teve a mesma falta de êxito que a inicial, desengonçada, tentativa. Acabei por ouvir exactamente o mesmo:

   "Toma, oferecemos-te esta bola de energia. És responsável por esta bola de energia. O quer que aconteça a esta bola de energia é da tua responsabilidade."

   Comecei a ficar frustrado, ao ponto de questionar o próprio desejo de me tornar detentor daquela bola de energia. Até que ponto quereria eu aquela bola de energia, da qual eu não sabia nada - o que fazia ou o que permitia fazer - mas que exigia tanto zelo da minha parte? E porquê o tom ameaçador com que declaravam o facto de que, se aceitasse aquela bola de energia, seria responsável pela mesma? Indícios de pânico iniciavam um súbito escalar da minha coluna, e um arrepiar global conquistava mais do terreno que é o meu corpo e a minha psique. Não sabia o que fazer. Mas uma decisão tinha que ser tomada. E depressa. Era óbvio, dada a intensidade do olhar que me era arremessado, de maneira constante e ansiosa, por parte destes Seres, altos e esguios, cuja pele, sem existir, irradiava onda após onda de idílica luz.

   "Ouve lá, ó amigo, porque é que tu e o teu gang'zito insistem em que eu aceite essa bola de energia, sem explicarem primeiramente as vantagens e desvantagens em possuir tal bola de energia? Porque raio é que eu vou aceitar tal bola de energia? E porquê esse tom sinistro, quando declaram que o quer que seja que aconteça à bola de energia será da minha responsabilidade?"

   "Toma, oferecemos-te esta bola de energia. És respons-"

   "Ouçam, já entendi! É uma bola de energia! Mas como é que vocês esperam que eu aceite essa bola de energia, se nem me tentam aliciar com uma panóplia de vantagens?! O que é que esperavam que acontecesse? Que eu simplesmente aceitasse?! Sem saber o que é?! Até se me oferecessem fruta, eu desconfiaria! Não é assim que se vende um produto! E essa é outra: então esta bola de energia é grátis? Porque é que é grátis? Será que isso implica má qualidade? Se me tivessem abordado com um 'Ah, toma esta bola de energia, mas tens que pagar vinte paus para ficares com ela', aí já levaria mais a sério toda esta transacção, e ponderaria comprar essa bola de energia, porque, quer queiramos quer não, dinheiro reflecte valor. E isto é factual! Agora, uma bola de energia à borla é de desconfiar...digo eu..."
   E enquanto argumentava com estes Seres, observava também as suas formas, e as suas silhuetas, irradiando bela idílica luz, e os seus enormes olhos vítreos que me sugavam o negativismo e o mau-humor e a má vontade pareciam envolver-me por completo, e com o passar do tempo, deixei-me ir, numa calma oblíqua, que se insurgia no meu peito, e através dele. A minha cara relaxava-se, e sentia as pupilas rasgarem-me os olhos, e uma imensa paz explodia em mim, que se prolongaria eterna, se mantivesse o meu olhar encarcerado nos corpos celestiais daqueles Seres misteriosos. E apesar da máxima importância e urgência daquele assunto em particular (o de aceitar aquela bola de energia), apercebi-me na altura que nada de vil poderia acontecer. O meu ser repousava nas mãos de um qualquer coisa d'angélico.

   Finalmente, o meu corpo decidiu por mim estender as mãos, sem qualquer indecisão, e os meus lábios separaram-se, independentes do meu desejo, e acordaram as minhas cordas vocais, que exclamaram bravamente "EU ACEITO ESTA BOLA DE ENERGIA! ESTA BOLA DE ENERGIA, E A RESPONSABILIDADE QUE COM ELA ADVIRÁ!" As caras iridescentes daqueles Seres contorceram-se bruscamente, numa tentativa de esboçar sorrisos humanos, ao compreenderem que eu aceitei entusiasticamente aquela brilhante bola de energia. Desceu um longo braço do alto do Ser mítico, e depositou a sua bola de energia nas palmas das minhas mãos. De repente, gritaram:

   "Ha ha, és tu apanhar! Se não deres esta bola de energia a outro ser consciente em menos de um dia, sucumbirás a uma leucemia!"

   Ai, malditos seres pecaminosos! Infectaram-me com um cancro maligno!

Explanado na Esplanada

Explanado na Esplanada

A realidade honestifica-se quando o observador medita sobre esta, sentado numa esplanada, a escrever. Rogo que o meu café sirva de catalisador.