Pedra Angular

Pedra Angular

Jeremias Jogalgo, jovem detective, finalmente encarregado com o seu primeiro caso, observava cuidadosamente a cena do crime. De lupinha na mão e chapéuzinho na tola, vasculhava cada canto e recanto daquela pequena igreja, agora túmulo temporário.

"Deveras interessante" – murmorou Jeremias enquanto escrutinava um pilar uns 20 passos do corpo.

"O que é Jeremias? Pensa ter descoberto uma pista?" – interregou o inocente Diogo Páparo, recém-graduado, agora na tutelagem de Jeremias por razões de amizades familiares antigas, uma espécie de babysitting.

"Observe Diogo, é deveras curioso isto, suspeito até!" – respondeu Jeremias enquanto se inclinava para Diogo, apontando para o grande arco de mármore , pontiagudo e majestoso, como duas mãos em oração que transbordavam a enorme pintura na cúpula que pairava sobre o altar. – "Este arco, aqui na abside, não é uma semi-esfera perfeita, mas sim ogival, no entanto, como pode observar, a coluna em si, que, apesar de ser em mármore sim, está decorada com ornamentos em folha d'oiro. Até agora tudo bem, não é comum mas nada de outro mundo. No entanto, como tenho a certeza que também reparou, a coluna não é lisa, mas sim torsa, ou helicoidal, como preferir." – com um movimento rápido e fluído, Jeremias apontava agora para a nave – "Agora a nave. A nave. Curiosa esta nave. Todos os arcos, como consegue claramente observar, são ogivais também!"

Jeremias colocou a sua preciosa lupa no bolso do seu casaco com todo o cuidado, e de outro bolso conjurou o seu cachimbo e um isqueiro de alumínio, que apesar de aparentar luxuoso, tinha sido comprado no fim de semana anterior na feira das velharias que ocorria todos os anos na sua rua. Deu dois valentes puxões no isqueiro, e uma efémera chama dançava ao ritmo da leve brisa que inundava o altar. Reuniu-a com o tabaco virgem que repousava no seu velho cachimbo, como menino Jesus no seu berço, a aguardar oiro de Belchior. Jeremias fechou os olhos, e inalou profundamente o fumo; uma paz perfeita. Expirou uma enorme nuvem de fumo, olhou Diogo na alma e disse:

"A abside Diogo. Deve ter sido reconstruída algumas décadas após a construção da igreja. Os estilos. São simplesmente demasiado diferentes. Uma resposta tão simples, mesmo por cima das nossas cabeças. Deveras interessante."

"Não entendo Jeremias, o que é que isso tem a ver com o crime em si? Não faz sentido." – perguntava Diogo, confuso como se o próprio Deus descera daquela pintura na cúpula e lhe mostrasse os seus pensamentos."

"Ah o crime! Claro, Claro! Não me esqueci. Como já deciframos, a abside foi reconstruída, então repare que o chão no altar está completamente ladrilhado. É mais que óbvio que o senhor escorregou no orvalho dos azulejos pela manhã. Triste realmente. Azulejo castanho escuro choca demasiado com o mármore do chão da nave e pior ainda com esta escadaria de madeira de faia."

O Estoriador

O Estoriador

Estórias há muitas. E eu tenho uma abundância delas das viagens que fiz nesta cacofonia que chamamos de vida.

Mais uma estória?