tarde livre
não havia maior prazer
do que terminar as aulas
às três ou quatro da tarde
e ir para a Praça da República
fazer o quer que fosse:
ou ir para o Moçambique
que era escuro e berrava sons de bilhar e matraquilhos
beber cerveja de pressão
ou beirão com gelo
cumprimentar a empregada que servia as mesas
que era bela e fascinante
e que tinha uma voz doce
e que desapareceu ao fim de dois meses
para nunca mais ser vista por mim
substituída por um qualquer outro
ou ir para o Académico
que transpirava tabaco e pretensiosismo de artista
ao som de cool jazz de jukebox vintage
beber cerveja Belga
que vim mais tarde a descobrir ser Alemã
arriscando, por vezes, whiskey rasca
que apesar de rasca
ainda assim fazia um furo no bolso
do tamanho de três euros e meio
mas dava ares de boa filosofia
ou ir para a esplanada do TAGV
que em época de exames
enchia-se de nervosos
almejando aquele dez
e por vezes, mesmo nós,
íamos para lá marrar
com um rebuçado sabor de café na boca
que ofereciam na compra da bica
(e que mais tarde deixaram de oferecer, os cabrões...)
tudo isto, a não ser que
fosse a primeira sexta do mês
nesse caso, descíamos as Monumentais
a correr
para chegar cedo ao Luna
que tinha a promoção de cerveja preta a oitenta cêntimos
- chamavam-lhe black friday.
e que era Sagres, não Guinness
mas foda-se, o que é que querem mais?
Oitenta cêntimos!
não beber cerveja preta a oitenta cêntimos
seja ela qual for
é equivalente a mandar dinheiro para o lixo
e naquela altura
entre almoçar na cantina a dois euros e quarenta
e beber café da máquina a trinta-e-cinco cêntimos
esta era a única outra maneira de poupar.
-- -
e ao recordar tudo isto
reparo que raramente fiz tudo isto
e reparo que não fui assim tantas vezes
ao Moçambique
ao Académico
à esplanada do TAGV
ou ao Luna
e reparo que na realidade
passei grande parte do meu tempo
nos bancos de trás do autocarro
a ver através de vidros baços
estudantes e futricas aos pontapés
a beberem as suas cervejas e somersby
no
Moçambique
Académico
esplanada do TAGV
ou Luna
e lembro-me de pensar
que ali
desperdiçavam-se
e morriam as suas primeiras mortes
por se plantarem vegetativos nas cadeiras dos bares e dos cafés
em vez de viverem
ou algo do género.
e lembro-me também
que na altura
em vez de
Moçambique
Académico
esplanada do TAGV
ou Luna
optava
ir para casa
ver televisão e dormir